Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas

Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)

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sonho duplo

 “And now that you don’t have to be perfect, you can be good.”
John Steinbeck, East of Eden

Quando assisti pela primeira vez uma defesa de doutorado, saí empolgadíssima para comentar com meu (futuro) orientador:

Eu — Puxa, quero ler aquela tese: deve ser maravilhosa!

Ele — Hã? Maravilhosa? Como assim? A tese quase não foi aprovada!

Eu — Ué… Mas a banca elogiou tanto!

Ele, já rindo — Você não entendeu nada, Karina… A banca elogiou pontos sem importância; mas criticou a estrutura do trabalho!

Eu — É? E ele virou doutor assim mesmo?

Ele — Sim!

Quase 25 anos depois desse episódio e após minhas próprias defesas e participações em bancas, acho que aprendi alguma coisa…

Em homenagem às centenas de teses que serão defendidas nas próximas semanas Brasil afora, aí vão dez dicas para sobreviver (e aproveitar) esse momento:

1) Muita gente se apavora antes da defesa, lembrando do pânico que foi a prova de seleção. Nada a ver. Se o seu(sua) orientador(a) é minimamente sério, se a sua defesa está marcada e se a sua tese está entregue, relaxe: você vai passar. (Mas não fica bem mandar imprimir convite para a festinha da noite, muito menos convidar os membros da banca com antecedência!)

2) O que mais me ajuda nas situações de estresse acadêmico é me preparar. Agora que estou do outro lado, sei que uma fala bem ensaiada de 20 minutos é tudo que a banca sonha em ouvir. Algo que Informe a platéia mas não canse os examinadores… Também é prático imprimir a apresentação em letra grande. Tenho implicância com power-point de texto em defesa, mas para imagens ou filmes, às vezes é inevitável.

3) Se na hora de montar sua apresentação você for como 95% dos doutorandos que ainda não sabem exatamente sobre o quê é a tese…, relaxe: você é normal. Os outros 5% são uns chatos.

4) A defesa é um ritual mas não um teatro infantil requentado. Ao contrário! Na minha experiência e na de muitos que já passaram por isso, a defesa é um dos melhores momentos da vida acadêmica. Durante quatro horas, cinco professores se dedicarão exclusivamente a debater o seu trabalho com você. Quando isso vai acontecer de novo? Talvez só numa homenagem póstuma (e você não vai estar lá para ver).

5) Para aproveitar ao máximo, umas dicas aparentemente bobas, mas úteis: usar a sua roupa mais apresentável-com-conforto no dia (roupa nova é arriscado, vai que aperta), ir ao banheiro antes, levar água e uma comidinha discreta para o intervalo (chocolate, castanha, uva). Na minha defesa, levei aqueles saquinhos com mel dentro; mas eu mordia, mordia, e nada de abrir… foi horrível. O doutorando mais engraçado que já vi começou a defesa instalando um verdadeiro piquenique na mesa: comidinhas variadas, bebidas, guardanapos! (E passou super bem. Foi considerado excêntrico.)

6) O meu Grande-Medo era ouvir críticas que eu não soubesse responder; ou pior: críticas tão ferozes que não restasse nada de bom no meu trabalho. Isso é uma Grande-Bobagem, por vários bons e maus motivos… Um bom motivo é que, como escreveu Umberto Eco, se foi você mesmo que fez a pesquisa, você é a pessoa que mais saberá defendê-la. Confie nisso. Outro bom motivo é que todo trabalho tem pontos fortes (ou deveria). Valorize os seus caminhos e as suas opções.

7) Conheço orientadores experientes que aconselham seus alunos a defenderem-se a qualquer custo das perguntas da banca. Não concordo. Acho que é importante se valorizar, mas também reconhecer quando algo interessante (ou problemático) for sugerido. Uma das defesas mais legais que assisti foi a que o orientando fez questão de convidar uma banca feroz, só com professores famosos por serem durões. E, a cada pergunta, ele vibrava, anotava e dizia: “manda mais!” Tudo para poder responder de igual para igual depois! Foi um espetáculo.

8) Ainda um bom motivo para enfrentar o Grande-Medo: humildade faz bem. Como diz Steinbeck na epígrafe acima, quando não precisamos mais ser perfeitos, podemos ser bons. (Vovó Trude diz que o bom é inimigo do ótimo. Ela tem razão: queremos fazer teses incríveis, fantásticas e que vão revolucionar o mundo, mas vamos fazer apenas Teses. Ponto.)

9) Isso me lembra outro bom motivo para afastar o medo: a conclusão do doutorado é o começo da vida acadêmica e não o fim. É a partir da defesa que começamos a trabalhar de verdade. Sei que isso parece irreal agora (antes), mas vai por mim. A vida começa depois da tese.

10) Os maus motivos para não ter medo da defesa infelizmente também existem: quando seu(sua) orientador(a) ou os membros da banca não fazem um bom trabalho, não terminam de ler a tese, não se empenham em elaborar questões relevantes, não focam no seu tema, não estão interessados em contribuir com a sua pesquisa… Sem falar naqueles defeitinhos sórdidos: ciúmes, agressividade, inexperiência, preguiça. Enfim, uma prova de que os doutores continuam sendo humanos. Resta voltar ao ponto 9 e lembrar que a vida continua.

Foi pensando no tempo em que eu esperava os dias para a minha defesa (nos idos de 1998!) que fiz o desenho acima. Como já contei aqui, somatizo as minhas ansiedades e medos tendo pesadelos terríveis. Sonhava que tinha esquecido de entregar um capítulo, que não lembrava de levar a apresentação, que saía massacrada… Todo o roteiro acima (do 1 ao, infelizmente, 10 também).

O problema de quem tem muito pesadelo é voltar a dormir. Hoje, pela primeira vez, resolvi desenhar a imagem que me ajuda a retomar o sono de madrugada. Imagino que estou deitada na beira de um rio, embaixo de uma árvore, num dia bonito, e tento me concentrar na sensação de paz desse cenário. Aprendi esse tipo de visualização ainda adolescente, com uma professora de violão. Quase sempre dá certo.

Espero que o post e a imagem ajudem a todos a atravessar bem as defesas que vêm por aí! Boa sorte!

Update de fev/2017: leitores novos, sejam bem-vindos! O post tem sido lido por milhares de pessoas nos últimos dias mas o WordPress só me diz que o link vem de algum lugar do Facebook… Alguém poderia me mandar a origem para eu agradecer a referência? Podem postar nos comentários, mandar via mensagem de Facebook ou por e-mail! Obrigada ♥

Sobre o desenho: Registrei o processo antes de adicionar cor, pois estava insegura se ia dar certo (esse caderno Laloran é maravilhoso, mas não está com papel próprio para aquarela). As linhas foram feitas com canetinha nanquim Pigma Micron 0.3 e as cores com aquarela Winsor & Newton e waterbrush Kuretake.

Você acabou de ler “Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2015. “Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url “http://wp.me/p42zgF-cG“. Acesso em [dd/mm/aaaa].

168 pensamentos sobre “Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)

  1. Obrigada Karina Kuschnir!! Estava muito insegura e sensível hoje, dia 28/05/23 e seu posto de 2015 aliviou minha alma!! Minha defesa é dia 06/06/23.

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  2. “…a conclusão do doutorado é o começo da vida acadêmica e não o fim. É a partir da defesa que começamos a trabalhar de verdade. Sei que isso parece irreal agora (antes), mas vai por mim. A vida começa depois da tese.”
    Defendi semana passada e ainda está sendo difícil lidar com o “vazio” que a tese deixa. Sou apaixonada pela minha pesquisa, fiz amigos para a vida no doutorado, tive uma orientadora humana e que me dava autonomia e, de quebra, uma bolsa FAPESP.
    Eu sinto o contrário, como se a defesa tivesse sido o fim de uma jornada difícil, por conta do mestrado, mas extremamente satisfatória, por conta do doutorado.
    E o medo de nunca passar em um concurso? E o medo de até passar e não ser convocado?
    Enfim… Muitos medos! Mas sempre me sinto acolhida por suas palavras. Abraços

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  3. Minha defesa é daqui duas semanas e estou exatamente somatizando tudo (rsrsrs). Eu precisava ler isso, muito obrigada!

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  4. Estou na fase de preparacao da minha dissertacao, estou confortavel com essas palavras acolhidoras karine, obrigado

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  5. Nossa, vou defender em duas semanas e fiz até um lembrente com esses conselhos, porque estava difícil e desesperador. Muito obrigada pela escrita carinhosa.

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  6. Vou defender essa semana. E a postagem me deu paz. Obrigada!

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  7. Lendo aqui e como é bom ver que esses sentimentos não são só meus. Me sinto mais aliviada por saber disso. Grata demais pelos seus textos, estou lendo todos

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  8. Sou médica e professora titular aposentada da Universidade Federal do Ceará, mas ainda trabalhando e orientando muitos alunos. Recebi esta postagem e passei para meus alunos. Achei bem gostoso de ler e ver como você tratou de forma leve uma coisa que muitos encaram como um dos maiores desafios de suas vidas, a tese ou a dissertação. Minha defesa de doutorado, em 1992, foi como uma continuidade da vida para mim. Vim de familia acadêmica e era muito familiarizada com aulas desde os 12-13 anos, quando ensinei crianças pequenas em uma pequena comunidade. Também entendia, erroneamente, que pesquisa era a coisa “mais natural” para todo mundo (imaginem a doidice minha) todos faziam isto com grande naturalidade. Mas entendo que as histórias de vida de cada um são muito distintas e esta experiência pode diferir substancialmente para cada um. E vamos concordar, orientadores podem ser bichos bem complicados. Alunos comprometidos têm sempre meu maior apoio. Uma das minhas primeiras aluna do doutorado me disse que os alunos haviam me dado um apelido, logo no início da minha carreira docente: quebra queixo (aquele docinho de côco e muito açúcar que é muito duro de comer, comumente vendido nas saídas das escolas quando eu era criança). Perguntei, que estranho, porque quebra-queixo? E ela respondeu: professora, você é como o quebra-queixo, “doce e dura”! Rimos muito, pois achei super apropriado. Acho que algumas vezes eu exagerei…, mas no geral, meus alunos se saíram muito bem. Já orientei 61 alunos de pós-graduação, sendo 30 de doutorado. Construí muitas amizades, e algumas poucas inimizades nesta caminhada.

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  9. Oi Karina (re)lendo esse texto em 2020, antes da minha defesa de tese. Só passando para agradecer. Continue seu lindo trabalho 😘

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  10. Quem dera todos os membros de banca tivessem a sua humildade e empatia. Defenderei minha tese na terça-feira e estou A-P-A-V-O-R-A-D-A, mas feliz em concluir essa etapa (independente do resultado) que só foi possível as custas de muita terapia e escitalopram.

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  11. Um agradecimento aqui de Recife-PE. ❤

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  12. Agradecido, tirou um caminhão das minhas costas.

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  13. Obrigada! Sei que é tudo verdade pois trabalho em uma universidade federal mas mesmo assim dá um friozinho na barriga….

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  14. Gratidão! Sinto uma ansiedade que me consome. Imagino,às vezes,desistir. Hoje,você me apresentou uma luz.

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  15. Olá Karina, muito legal ler seu texto! Um compilado de coisas que pensamos em todo o processo de uma pós-graduação… Minha defesa ainda não será de doutorado, mas, mesmo assim, seu texto tem muito a ver com esse momento 🙂

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  16. Obrigada pelas dicas! Ajudaram muito! Estou elaborando a apresentação da defesa e o mais difícil é realmente extrair o essencial sem banalizar ou simplificar demais.

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  17. Pingback: Entre o inofensivo e o mortífero: a delicadeza e o talento de Bel Franke | Karina Kuschnir

  18. Obrigada pelas dicas! Realmente fez diferença para mim e me sinto mais tranquila para apresentar minha tese.

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    • Que bom, Déborah, muito obrigada! Espero que sua defesa tenha sido proveitosa. Abraço e parabéns pela conclusão! ☺

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  19. Obrigada pelas dicas! Sigo mais confiante para minha defesa na quarta-feira, 16/10/2019. Bjs

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  20. Muito obrigado, Karina! Me senti acalmado por 200 gotas de rivotril! Agora vou pra minha defesa mais em paz…

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    • Hahahahaha Morrendo de rir aqui! Acho que esse foi o comentário mais engraçado que já fizeram nesse post. Obrigada e boa defesa!! 😘😘

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